Pois sabes, Zé, tu sabes. Sabes que te mergulhaste. Te prendeste, te perdeste.
Mas eu não sei te ilustrar. Não te sei desenhar sem ser em abstrato. Não te sei explicar.
É me tudo tão conhecido, de dia e de noite. Que nunca me é suficiente a dor. A dor que me faz alucinar.
A dor que eu faço questão de remoer. Em cada movimento que faço, em cada pintura que provoco, lá está esta minha dor.
Este meu ressentimento que transporto, não o carrego, apenas o transmito de ti para mim.
Porque tu me apanhas, não me desprendes, és aquele gancho que me fura. Nunca me é suficiente esta dor. Envolvo-me sozinho, pintando as cores que nem sequer existem, mas ficam me tão bem aos olhos, que me cego com tanta harmonia. Está a remoer porque está a doer.
Devia ser tempo para largar as mãos, e passar a pintar esta irrealidade com pincéis.
O que me queres dar tu de inspiração? Não chega as noites mal dormidas, onde me possuem por aquele dom em que sou um espirito vivo e incapaz de amar.
Vagueio e trespasso entre as paredes da casa. Sobrevoo as águas lentamente ao luar mas não posso ir mais longe que as linhas de horizonte, porque a mim não me dão asas para sonhar.
Eu sei que me mergulhei. Todo o sangue da ferida agora estava diluído. Porque ali tudo se move em camera lenta, o som é irreconhecível e distorcido. Tudo escorre devagar. Ninguém me ouve sentir. Ninguém me vê respirar. Nunca soube flutuar. Por isso estou, agora, preso pelas mãos no fundo do mar.

(és aquele gancho.)

Comentários

  1. Posso dizer que amei este pela simplicidade da linguagem mas por tudo o que está implícito? Olha, pronto, amei.


    Jo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Podes. Está muito implícito, chega a ser uma confusão difícil de decifrar. Mas ao falarmos com o ego, com o nosso espírito, não há forma se não com simplicidade.
      *

      Eliminar

Enviar um comentário