Camisa de ganga em Paris

Se a caneca de chocolate estivesse mais quente as suas mãos estariam nas minhas. 
Eu sei que tenho por hábito observá-la todos os dias quando chegamos do trabalho, e temos aquele intervalo onde o nosso espírito descansa antes de fechar o dia. Ela fica em pé, junto àquele rasgo na parede alta, que compõe o nosso flat. Um rasgo para a rua, não chamo de janela, porque por ali entra e sai toda a energia e magia que o amanhecer e o por-do-sol pode dar. Eu deixo-a ficar, mesmo depois de um dia de pé. Ela permanece a olhar o horizonte e como ele a preenche. Os seu dias não seriam os mesmos. O frio lá fora aperta. Cá dentro, o ambiente é agradável. Mas o chocolate quente dá-lhe o conforto que ela precisa no momento.
Estou sentado na minha antiga secretária e de lá, parado, vejo tudo o que ela pensa. E em como o sol se despede dela. 
Não faz sentido não admirar os milagres diários. E ela é um deles. 
A minha visão processa todo aquele despenteado cabelo e com madeixas claras e lisas, por onde algumas pontas se enfiam nos óculos de massa pretos, que realçam os olhos esverdeados ou conforme a luz que a ilumina; a roupa que veste é minha, uma camisa de ganga larga, aberta a roçar aquela pele cal, apesar de tanto sol já ter apanhado. A lingerie é branca e mesmo assim a combinação é perfeita.
Eu continuo ali, especado. Quando ela me olha fixamente, e diz: 
-Nunca me canso de Paris.
-Nunca me canso de ti.

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