Acidente de carro

Ficaste daquele lado da estrada com o braço esticado na minha direcção a pedir-me para ficar. Olhei mais uma vez para trás, baixei a cabeça.
-"RICARDO!" gritaste o meu nome com dor.
Um carro tinha me atingido. Um semáforo vermelho falhado, uma mágoa cega que me fez atravessar... Estendido no chão, no instante em que perdia os sentidos, senti os teus perto de mim. A tua respiração que sempre me deu o fôlego. As tuas lágrimas que me lavavam a alma. E a tua voz que me reavivava. Quis ficar preso àquele momento num tempo interminável e estático, para me dares vida assim, de uma forma tão intensa.
Não sei que segundos me fizeram parar e reviver uma vida passada e abafada por sorrisos falsos e gargalhadas secas. Só sei que em cada memória lá estavas tu como se fosses eu e de mim, nunca tinhas fugido.
No momento em que decidi te deixar a morte decide fixar me à terra mais uns instantes para seres a minha energia. Estava a ter a filmagem completa na minha mente já longe e quase apagada. A banda sonora do teu choro, e a chamares desesperadamente por mim, fez me ver a primeira vez que fugi de casa. A primeira vez que andei à porrada e me arrebentei todo. Quando tive má notas. Quando viajei pelo mundo e cheirei etnias como se cheira o perfume das almas... De todas as vezes que amei. E a vez que te amei... até agora.
Será na altura de perda que sabemos o que somos?
Naquele momento sabia que o sangue que me escorria corpo a fora levava um homem antigo de mim, ferido e perdido.
Esperei pela ressurreição.

Comentários

  1. «
    Será na altura de perda que sabemos o que somos?
    Naquele momento sabia que o sangue que me escorria corpo a fora levava um homem antigo de mim, ferido e perdido.
    Esperei pela ressurreição.
    »

    considero este excerto excelente! ;)



    se o texto tem continuação...ele ressuscitou?

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  2. Eu creio que ele ressuscitará... Contudo, também acho que ele precisava dessa "morte" e dessas lembranças para se encontrar de novo em si e nela. Sometimes we need to be hitten by a car.

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  3. wow santi, es o rei. juro que ha muio tempo nao lia nada tao bom

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  4. Textos do melhor mesmo... Completamente sem palavras...

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  5. Se ele precisava...então acho que a "morte lhe fez bem". Só não gostei da forma como ele "morreu". Tinha mesmo que ter sido atingido por um carro?

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  6. Para nos acordar é preciso ser atingido por coisas fortes...vivemos numa parafernália de gritos. Se nao fosse isso atirava-se contra uma parede, e isso nao teria tanto impulso.lol Parece-me que um comboio seria irreversível. E ele como é o meu alter ego e o meu mais fiel heterónimo, nao o posso matar já. Vou lhe dando um bom reportório cinematográfico.

    ;)

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  7. "Será na altura de perda que sabemos o que somos?"
    Provavelmente,já que pelo menos passamos grande parte da vida sem o saber.

    Estou a gostar bastante de ler o teu blog Santy :)

    Beijinho

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  8. BRU-TAL!

    Meus senhores e minhas senhoras: a isto se chama escrever à bruta.

    E dou-te os meus mais sinceros parabéns por isso ;)

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