Crónica: Não mudo


Ultimamente apetece-me falar mais da minha vida do que outra coisa qualquer. Não sei bem quais são as condições para eu aparecer, mas apareço, o Ricardo. E digo-vos já, venho confiante. Tenho a minha cabeça tão vazia, que não adianta vos explicar o quão distraído ando. Tudo faz sentido, até esta minha calma. Mas posso vos contar mais uma história, visto que estive tanto tempo ausente.
Há uns dias, encontrei uma rapariga que não via à anos. Eu sabia quem ela tinha sido para mim, e ela sabia o quão bom amante fui para ela. Era basicamente isso, sei que pude olhar para ela as vezes que quis, e ainda assim não concluir o que deu errado. De certeza que já se puseram nessa situação muitas vezes, onde questionamos tudo que foi bom. Eu não sou um poeta, mas sou romântico. À minha maneira, bruta e infantil. Na maioria das vezes não sei o que faço, e depois vejo-me a ouvir as mesmas músicas durante dias, e a reviver tudo num copo de Martini. É verdade, eu mostro a minha masculinidade e depois bebo Martini, mas que hei-de fazer. Vocês deviam achar que eu era mais do tipo de whisky, mas não sou assim tão amargo. Ainda tenho paladar para as coisas, apesar de quase comer cigarros.
Não ando nervoso, nem irritado. Só ando pensativo, parece que ando numa viagem do tempo real, onde não me esqueço de nenhum detalhe da minha vida passada. E realmente não quero nada disso de novo.
Não vou falar de merdas que se esperam. Eu não tenho raiva, porque cheguei ao estado da pena. Tenho pena da rapariga que vi. É que ela quer me tanto, que nem sabe o que fazer mais para enterrar isso e não dar nas vistas. Porque é que as mulheres são assim previsíveis?!
Eu vi-a e fui-lhe dizer o comum "Olá". Ela quis me ignorar, não deixei. Ia-se embora, agarrei-lhe a mão. Disse-lhe que podíamos nos sentar. Fiz tudo o que se não deve fazer. Repeti-lhe tanta coisa antiga, mostrei-lhe o que eu sempre fui. Para ela ver em mim o que odiava, e mais uma vez querer isso tudo outra vez. Eu não queria merdas que tinham sido fodidas. O que eu queria era aquele corpo outra vez, para acompanhar com a minha mente vazia; e para aquecer o meu íntimo. Eu não lhe iria dar mais nada que ela não pudesse ter com outro cabrão qualquer, mas uma coisa eu sabia, eu podia dar-lhe o Ricardo.
No meio da pouca conversa que travámos, mesmo que ela tivesse reparado em como eu estava mudado, isso para mim não interessava. Quer dizer, era melhor que ela ignorasse o meu novo ser. Só desejava que ela se deitasse comigo mais uma vez numa cama mal feita, mas fresca. O calor já o teria no corpo dela. E ai íamos rever todas as fantasias mais sórdidas e belas pelas quais passámos, vezes e vezes sem conta. A necessidade de desenjoar de todas aquelas novas e usadas almas que tinha consumido, aumentava. E ela era uma que me sabia bem. Tornara-se um vício.
Não estou arrependido de a ter encontrado, é por isso que ando aliviado, agora pude ver que tudo até deu mesmo certo. Porque nós damos certo é assim, eu não sigo regras de engate, nunca. E ela cai em mim, como nunca cairia num engatatão. Mas eu não a quero enganar, porque só a quero a ela. No final de contas, deito tudo a perder, ganhando ainda mais o ódio dela. Porque já não a amo mais. 

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