Num café_III


-Nunca me perdoaste pois não?
-Porque haveria eu de te perdoar passado este tempo todo?! Simplesmente, esqueci-te. Pus-te de parte na minha vida...
-Eu nunca te esqueci.
-Eu nunca me lembrei de nós. Mas lembrei-me sempre da minha dor.
-Desculpa, eu pensava que o queria na altura era a minha segurança, tu eras demasiado sonhador para mim. E na minha cabeça eu precisava de um homem que não sonhasse. Que fosse normal. E agora tudo é uma irrealidade.
-A realidade dura e crua passei-a eu. Enquanto vagueei por aí. Agora também já não sou sonhador, acredita. Só espero que tenhas encontrado o normal na tua vida. E que estejas satisfeita.
-Perdoa-me por favor, agora já passaram muitos anos e acho que podemos ficar amigos.
-Nunca mais me disseste nada... Porque haveria eu de querer ser teu amigo? Eu não tenho amigos.

Ela fixou o olhar em mim. Parecia que estava a tentar ler tudo o que eu era naquele momento. Mas de mim já não lia mais. Eu era liso, e vazio de sensações. As que tinha antes à flor da pele estavam agora arrumadas num espaço onde saiam apenas para escrever. Onde eu sentia pelas minhas criações. Onde eles faziam tudo aquilo que eu havia desistido de fazer. Eu viajei eu sei, eu lambi chões. Eu conheço o Mundo, mas o Mundo não me conhece a mim. A minha identidade tinha sido apagada, e eu só recebia tudo o que os outros me podiam dar, vivi por eles, escrevi por eles. Todo o cinzento na minha face era por tanta cor ter passado para o papel. Era o meu papel. Eu não podia viver aquilo na primeira pessoa. Como poderia eu? Mais valia canalizar toda a dor, e alegria e fôlego dos demais e assim espalhá-lo.
Tu não me entendias, coitada. Senti-te mais coitada que eu. Eu vivia pelos outros, e tu nem por pena sorrias.
O que era feito de ti?

-O que tens feito na vida, Joana?
-Tanta coisa...
-Só quero saber isto: a casa?
-Estás a falar da nossa casa?
-Nossa? Nada é nosso... Mas sim dessa.
-Ainda vivo lá. Não havia razões para sair.
-De todas as merdas que pensas que fizeste, ainda continuas na mesma casa?! Sabes porque é que eu nunca mais fui o mesmo? Porque não tinha a minha casa. Ali, eu e tu tínhamos construído coisas, coisas que se tinham tornado memórias. Quando deixei a minha chave na entrada significou que havia trancado tudo o que ficou para trás. Nunca mais ali voltaria, nem que tu me pedisses. Porque estavas-me a abrir portas que não eram minhas. E eu abro as minhas portas, assim como também as fecho.

Dito isto, virei as minhas costas mais uma vez, e não corri. Não tinha como correr. Naquele momento tinha estado do lado de fora a sussurrar a um passado que não podia mais ser realidade. Já não era eu. Eu já tinha dito isso. A coitada de tudo o que correu, continuava a repousar os sonhos dentro da mesma casa. Continuava a respirar dentro do mesmo espaço. Onde eu havia respirado, e a amado, e onde eu tinha sonhado. Tudo isso, e muito mais estava dentro daquelas paredes. Nada tinha escapado. Ela nunca saíra de lá. E ela nunca se tinha apercebido disso. Por isso ela correra atrás de mim. Porque o meu cheiro ainda estava naquela camisola.













Quase 4 anos depois da:
Parte II

Comentários